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domingo, 17 de outubro de 2010

É noite em teu jardim, Mãe...


É noite em teu jardim, Mãe...


Pouca memória.
Tão clara e doída tanta.
Foi recente.
Mas tanto tempo faz que se foi.

Partiu em manhã de chuva.
Minha mãe partiu.
O único momento em que não se repartiu.
A sua morte não repartiu.

Disse um dia:
viver é um jardim precário.
Mas vejo no meu jardim
a eternidade do jasmim.
Porque é belo e eterno.
E porque é belo o jardim.

Sim! O dia amanhece.
Todos os dias.
Por trás dos montes
que vejo de teu jardim.

E toda manhã
o vizinho passa em frente da casa
e não te acena mais.
nunca mais.

Acena para o jardim vazio,
por hábito, medo da morte, espanto.
E pela luz do dia
que ainda freme
de teu canto.

E mesmo assim
é noite em teu jardim.
Por mais que amanheça,
por mais que amanheça.

Lindolf Bell
In ‘Código das Águas’

Um comentário:

Acredito que...

“... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Excerto de 'De noite'
- Miguel Sousa Tavares
em “Não te deixarei morrer David Crockett"